Análise Funcional: que diabos é isso?

Análise Funcional: que diabos é isso?

Fabián Maero, tradução de Pablo Stuart Fernandes Carvalho.[1][2][3]

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(Nota: esta es la versión en portugués del artículo “¿Qué cuernos es el análisis funcional?”, gentilmente traducida por Pablo. Para la versión en español, click aquí)

 

 

Um dos temas mais incompreendidos dentro das terapias de terceira onda é o da análise funcional. E é curioso que isso aconteça, porque constitui uma ideia central na terceira onda, especialmente nas terapias de tradição mais comportamental (ACT – Terapia de Aceitação e Compromisso, DBT – Terapia Comportamental Dialética, FAP – Terapia Analítico Funcional, etc.).

Vamos ver se podemos fornecer uma introdução geral e relativamente acessível do que significa a incompreendida “análise funcional” e, assim, lhes dar o assunto sensação da próxima festa que participarem. Considerem-se avisados: análise funcional é um tema extenso, aqui apenas iremos dar uma visão geral sobre algumas de suas implicações mais “comuns” na clínica.

Análise Funcional para quê?

 Antes de mais nada: análise funcional, na verdade, é “análise funcional do comportamento”. É a ferramenta clínica básica de toda terapia de orientação comportamental.

A princípio, a ideia de análise funcional é simples: se trata de investigar, para um determinado comportamento, as relações que possui com certas variáveis contextuais que o afetam. Dito assim, parece ser simples, não é? Mas permitam-me abrir um parêntesis para explicar o porquê de ser importante.

Geralmente as abordagens psicoterapêuticas visam um conteúdo ou conjunto de conteúdos do psicológico do paciente: cognições irracionais, emoções negativas, complexo de Batman, conteúdos reprimidos, baixa autoestima, baixa motivação, etc. Cada terapia escolhe seu conteúdo. Depois será decidido no trabalho clínico se tal conteúdo é central ou não, mas a questão é que a terapia gira em torno da presença ou ausência de certos conteúdos psicológicos. Por isso, na maioria das abordagens psicoterapêuticas, os problemas do paciente podem ser definidos em termos de presença ou ausência de certos conteúdos psicológicos (sejam eles sozinhos ou como uma constelação de sintomas): este paciente sente ansiedade, este outro tem pânico, este outro tem trauma, e a psicoterapia segue nesse sentido, eliminando ou corrigindo o conteúdo problemático em questão.

Para um terapeuta ACT/DBT/FAP, a informação que surge de tal abordagem não é necessariamente incorreta: é insuficiente. Um conteúdo psicológico não é suficiente para descrever um problema. Vamos imaginar dois casos:

(1) um paciente que sente ansiedade quando tem que falar em público, sobe no palco e fala, prestando atenção ao público e ao que precisa falar.

(2) outro paciente sente ansiedade quando tem que falar em público, e corre pela porta quando é sua vez de falar.

No primeiro caso, talvez não seja necessário intervir (porque para esse paciente hipotético a ansiedade não constitui um obstáculo). No segundo caso, é provável que seja necessário algum tipo de intervenção. O que marca a diferença entre ambos os casos é a relação entre os eventos: o contexto (estar perto do palco e sentindo-se ansioso) e o comportamento (falar ou sair correndo). E aqui está o caroço no angu: para terapias contextuais o importante na hora de analisar e interver é a relação entre o comportamento e o contexto (pelo menos algumas variáveis do contexto), não a mera presença ou ausência de determinados conteúdos. Nenhum comportamento tem sentido para um terapeuta contextual sem essa relação.

Uma cena frequente da supervisão é esta:

  • (Aluno-terapeuta): este paciente sente ansiedade.

  • (Eu): E?

(Por dizer essas coisas é que ninguém quer ser supervisionado por mim)

Não que seja ruim (bem, eu sou, mas não é o ponto), é que a informação “sente ansiedade” (pânico, pensamentos irracionais ou memórias intrusivas, etc.) é insuficiente. Precisamos de mais informações e essa informação vem em termos de relações funcionais entre o comportamento e o contexto em que ocorre: em que consiste a ansiedade para esse paciente? Quais comportamentos aparecem no momento em que começa a sentir isso? Quais comportamentos param? Quais as consequências imediatas dos comportamentos emitidos quando sente ansiedade? Que consequência isso traz a médio e longo prazo sobre seus valores e objetivos de vida?

A parte de descrever o comportamento em questão (em termos de intensidade, frequência, duração, etc.) é o que chamamos de “topografia” ou análise topográfica do comportamento, isto é, a descrição da forma desse comportamento. O DSM, por exemplo, é uma coleção de descrições topográficas (certos sintomas, com certa frequência, com certa intensidade, etc.).

A parte de descrever as relações entre esse comportamento e seu contexto, ou ambiente, é a parte da “função” ou analise funcional do comportamento.

A topografia é necessária, mas geralmente é insuficiente para intervir. Como na análise do comportamento dizemos que o comportamento é uma função do ambiente, ou contexto, chamamos essas relações de “funcionais” e de lá vem a “análise funcional”.

O que chamamos comumente de “análise do comportamento” consiste em uma descrição da topografia e da função de um comportamento. Ambas são necessárias, mas comumente a parte da função é excluída na psicologia. Esta é uma das principais diferenças entre as terapias contextuais e outros modelos: não considera somente as experiências psicológicas por si só, mas também se analisa a função que têm.

 

Níveis da Análise Funcional

A análise funcional é como a lente de uma câmera fotográfica: você pode diminuir o zoom para cobrir a vista panorâmica de uma montanha, ou aproximar perto o suficiente para ver a pétala de uma flor (eu sei, García Lorca sentiria inveja). Dito de maneira menos poética, uma análise funcional pode ser feita de forma geral ou detalhada[2]. O quando é necessário analisar é uma questão puramente pragmática, que depende de cada caso.

Uma análise funcional exige que estabeleçamos as relações entre três eventos:

(1) Qual é o comportamento que nos interessa (comportamento X);

(2) Quais são os antecedentes (o que está acontecendo no momento em que o comportamento X é emitido);

(3) Quais são as consequências (o que acontece no mundo e na pessoa após o comportamento X ser emitido).

A parte de antecedentes e consequências é o que chamamos de “contexto”. No entanto, contexto não significa “fora” do organismo, mas “fora” do comportamento. Como dizia Skinner, “a pele não é uma barreira muito importante”. Contexto é um termo não-espacial e bastante provisório, que incluí:

  1. a) Antecedentes: tudo o que estava acontecendo no momento em que o comportamento em questão foi emitido, seja no mundo físico ou dentro do organismo em questão. No caso do orador evasivo que vimos anteriormente, se o comportamento que nos interessa é que ele saiu correndo, o contexto é o palco, as pessoas, a ansiedade, as luzes, o pensamento, etc.
  2. b) Consequências: tudo o que acontece após o comportamento ser emitido, dentro e fora do organismo. No caso do orador evasivo, ao emitir o comportamento de fuga, pode ser que a ansiedade diminua imediatamente, a culpa apareça, não haja público, luzes, etc.

Na clínica, uma forma simples de análise funcional – o equivalente à foto panorâmica da montanha -, poderia ser algo como: o que estava acontecendo, em você e no exterior, no momento de sair correndo? E o que aconteceu depois? É claro que perguntando dessa maneira estamos perdendo detalhes. Às vezes pode ser útil, às vezes não. Como falamos antes, é uma questão pragmática.

Mas uma análise funcional também pode ser extremamente minuciosa. Nessa outra ponta do espectro, a DBT usa como ferramenta básica a chamada “análise de cadeia” (é um termo da DBT que consiste em uma análise topográfica + uma análise funcional detalhada, todavia ainda não tenho uma boa explicação do porquê diabos mudaram o nome). Para uma autolesão, você pode expandir o contexto para incluir o quanto o paciente havia dormido no dia anterior, se ele não havia consumido substâncias, se houveram eventos estressantes nos dias anteriores e assim por diante. Desta forma, a análise funcional pode abranger um contexto de dias.  Além disso, uma análise funcional pode ser realizada tanto em eventos que ocorreram fora da sessão quanto em eventos que ocorreram dentro da sessão:

(Terapeuta): – Tenho a impressão de que você se desligou da sessão, você desviou o olhar e está falando pouco.

(Paciente): – Sim, fiquei angustiado e comecei a pensar no que vou fazer quando chegar em casa.

T: – Ah, tudo bem. E em que momento você começou a se sentir angustiado?

P: – Quando você mencionou meu pai.

T: – Isso é algo que acontece com você muitas vezes, quero dizer, se desligar quando sente isso?

P: – Sim, mas acabo ficando assim durante todo o dia.

T: – Entendo, deve doer muito, e parece que quando você se desliga do desconforto, você também se desliga da sua vida, do que está fazendo. Você gostaria que desta vez, por um instante, passássemos um pouco de tempo com esses sentimentos e ver o que eles são?

Neste pequeno relato, você verá que existem os mesmos elementos de uma análise funcional mais detalhada: os antecedentes ambientais (o terapeuta menciona o pai, sentir desconforto) e o comportamento (desviar o olhar e parar de falar). As consequências não são totalmente especificadas na história (apesar de poder perguntar sem problema), mas elas estão implícitas: “se desligar” provavelmente alivia até certo ponto o desconforto. As últimas três linhas representam uma pequena indução para uma forma de aceitação: um convite a ficar sem defesa (aceitação), com sentimentos que são geralmente evitados a certo custo (estar desligado durante todo o dia).

Assim, uma análise funcional pode ser realizada em dois segundos ou em quarenta minutos, abranger o contexto estendido ou o contexto imediato, englobar comportamentos fora da sessão ou comportamentos em sessão, mas em sua essência, sempre inclui os seguintes elementos: antecedentes, consequências e suas relações com o comportamento.

 

Conclusão

 Evidentemente, há muito, muito mais a dizer e aprender sobre análise funcional. Neste artigo, tentamos dar uma visão geral do que isso significa no dia a dia da clínica.

Toda ação humana, todo comportamento, tem determinantes históricos e ambientais distantes e imediatos. A análise funcional não é um processo ou formalidade; tampouco é algo que usamos de vez em quando, como se fosse uma técnica particular. É um recurso que usamos o tempo todo e é a melhor ferramenta que temos.

Uma ferramenta que nos lembra a todo momento que comportamentos não acontecem no vácuo; como Ortega e Gasset disseram: “eu sou a minha circunstância, e se não a salvar, eu não me salvarei”. Nós diríamos que é a ação e seu contexto, em uma ida e volta múltipla e recíproca.

 

Notas

[1] Artigo originalmente publicado na revista Horácio [Maero, F. (2015). ¿Qué cuernos es el análisis funcional? Horacio, 1(1), 19-21]. A tradução para a língua portuguesa foi permitida pelo Grupo ACT Argentina.

[2] Esta versão não é uma tradução oficial para a língua portuguesa conduzida pelos membros da Horacio e, portanto, não é tomada por ela como fiel. Em questões centrais, consultar a versão oficial em língua espanhola, originalmente publicada na Horácio.

[3] Tradução de Pablo Stuart Fernandes Carvalho.

[4] Nota de tradução: Federico García Lorca (1898 – 1936) é considerado um dos poetas mais influentes da literatura hispano-americana do século XX.

[5] Nota de tradução: na literatura especializada, esses dois níveis de análise têm recebido a nomenclatura de molar (uma análise geral, da história de vida e o do desenvolvimento de padrões comportamentais) e molecular (uma análise detalhada, de contingências específicas).

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